N.º 35 (2025): Género e Desigualdades: Desafios Contemporâneos

Durante as últimas três décadas, foi possível cimentar os estudos de género como área premente e incontornável da produção científica e académica. Nesse trilho, temos analisado a ubiquidade e transversalidade do género como construção sociocultural em praticamente todas as coletividades humanas, passadas e presentes. Os processos sociais, interrelacionais e interacionais, coletivos são genderizados, tal como as estruturas micro, meso e macrossociais. O género molda, e é moldado, em todas as arenas da vida social, estruturas e instituições sociais. Numa contemporaneidade marcada por sucessivas crises sociais, incerteza, conflitos sociais e crescentes polarizações, o género não tem escapado às implicações esgrimidas pelos cenários de tensão social que vivemos. Há muito que o género é conceptualizado como uma estrutura multidimensional de desigualdade (Connell, 1987; Lorber, 1994; Rubin, 1975) e temos assistido à (re)criação de novas (des)ordens de género (Connel, 2009): através das migrações laborais, nacionais e globais; nas crises de populações refugiadas; nos efeitos das alterações climáticas; nos direitos humanos, mas igualmente na igualdade económica, nas relações entre gerações, no espaço da família, na intimidade, no bem-estar, no envelhecimento, na violência, etc. Nas possíveis articulações entre todas estas dimensões, surgem as questões das várias formas de violência de género. O envelhecimento da população, por exemplo, as alterações das estruturas familiares, a participação da mulher no mercado de trabalho, agudizará o designado caring gap e fará emergir necessidades não satisfeitas de cuidados de longa duração, uma das razões para a crise global dos cuidados que afeta o Norte e o Sul Globais. A importância social do trabalho realizado ao longo das cadeias de cuidado globais não tem sido acompanhada pela atenção política e académica ao aumento paralelo da desregulação, informalidade, precarização e vulnerabilidade de uma força de trabalho crescente e quase exclusivamente feminina (Comas-d’Argemir et al., 2021). Se falamos em género e cuidados, falamos em desigualdades de género e assimetrias nos tempos de cuidar e nos impactos associados a quem cuida: pelo número de horas de cuidados, na saúde física e mental, no emprego, nos salários, no abandono precoce do mercado de trabalho e num maior risco de pobreza. É, precisamente, na articulação entre as múltiplas formas de desigualdade e a pluralidade de crises sociais que os papéis de género têm sido sujeitos a desafios permanentemente requerentes de análise, sustentando a apresentação deste número.