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Discriminação e diversidade no trabalho e nas organizações
N.º 33 (2024)Apesar do conhecimento universal do direito à igualdade e à não-discriminação no emprego e no trabalho, a discriminação racial e étnica, baseada no género, orientação sexual, idade, aparência física, deficiências físicas e mentais, classe social, estatuto socioeconómico e educacional, localização geográfica, religião e identidade nacional, continua a afetar milhões de trabalhadores. Este cenário de desigualdade produz obstáculos no acesso ao mercado de trabalho e às condições de emprego (e.g., oportunidades de progressão de carreira, remuneração, formação). Mais ainda, reflete-se nas fronteiras entre trabalho e não trabalho, nomeadamente no uso do tempo, na qualidade de vida e nas expectativas ligadas aos vários domínios da vida humana e social. A literatura recente continua a evidenciar os contextos de trabalho como espaços de discriminação cumulativa que perpetuam e complexificam o modo como a desigualdade opera com base na diferença e na interseccionalidade das várias categorias sociais acima identificadas. Devido às conturbações económicas e financeiras, à intensificação dos fluxos migratórios, crises na saúde publica, e inovações tecnológicas, de que é exemplo paradigmático a introdução da Inteligência Artificial no contexto laboral, o trabalho tem sofrido transformações profundas que resultam na reconfiguração das profissões e em novas formas de conceção e execução do trabalho e da hierarquia organizacional. O cenário assim traçado tem resultado num aumento da precariedade e vulnerabilidade no emprego, nas profissões e nas organizações para os grupos socialmente minoritários, tornando os espaços de trabalho crescentemente opressivos e violentos. Todavia, os movimentos sociais e ativistas têm paulatinamente conquistado direitos e voz na defesa das minorias nas esferas pública e privada, levando a uma crescente atenção da gestão para uma visão mais complexa e articulada da diversidade e do seu potencial criativo e inovador para as organizações e seus ambientes sociais. Fruto dessa maior visibilidade das minorias e da tomada de consciência das várias partes envolvidas, as organizações começam a reinventar formas de acolher e integrar a heterogeneidade da força do trabalho e de conceber as estruturas e as dinâmicas relacionais organizacionais. Deste modo, reunem-se, por este meio, trabalhos académicos que exploram o modo como a desigualdade e a diversidade se manifestam e são justificadas nas relações de trabalho a partir de diferentes quadros teóricos e metodológicos.
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Relações de emprego e qualidade de vida e bem-estar no trabalho
N.º 34 (2024)As relações de emprego têm uma importância fundamental na vida das pessoas, já que a maior parte da nossa vida adulta se desenrola dentro de uma organização ou em torno de uma ocupação profissional. É fundamental que as relações de emprego se desenvolvam num clima de trabalho em que possamos sentir que florescemos enquanto profissionais pela aquisição de formas diversas de saber-fazer, saber-ser e saber-pensar na relação com o Outro. Sempre que as relações de emprego se pautam por relacionamentos saudáveis e promovem um ambiente de trabalho justo, com respeito e diálogo entre trabalhadores e empregadores, o impacto na qualidade de vida é enorme. É importante também sublinhar que a qualidade de vida no trabalho não diz respeito somente a questões como uma boa remuneração e benefícios sociais ou condições de trabalho adequadas. Apesar de estas últimas condições serem essenciais para o bem-estar do trabalhador, é preciso promover um ambiente de trabalho acolhedor, com valores claros, comunicação aberta e respeito mútuo. Por oposição, quando o ambiente de trabalho é sentido como adverso e até opressivo da dignidade humana, com cargas excessivas de trabalho, formas de assédio, desrespeito e falta de transparência, as consequências podemser bastante negativas para o bem-estar do trabalhador e sua qualidade de vida, em geral, e no trabalho, em particular. Efetivamente, a literatura, nesta área, revela que climas organizacionais tóxicos, com elevados níveis de stresse e desgaste emocional, afetam não só o desempenho profissional, mas também a saúde física e mental dos trabalhadores. Em simultâneo, a qualidade de vida no trabalho tem vindo a ser progressivamente associada à sustentabilidade das carreiras. Uma carreira sustentável é aquela que permite ao profissional equilibrar as suas aspirações e objetivos pessoais com os da organização, de forma a garantir uma relação de parceria e colaboração. Para que isso seja possível, é necessário que a organização promova a qualidade de vida dos seus trabalhadores através de medidas como, por exemplo, flexibilidade de horários, programas de bem-estar e de desenvolvimento profissional. É responsabilidade das organizações criar um ambiente de trabalho saudável, promovendo a qualidade de vida dos seus trabalhadores. As relações de emprego são crescentemente marcadas por contratos psicológicos ambíguos e por condições de empregabilidade desajustadas. Os primeiros assumem, crescentemente, um carácter transacional e idiossincrático, enquanto as segundas, entendidas como a capacidade de adquirir e manter uma ocupação/emprego ao longo da vida, são sub-repticiamente assumidas como uma responsabilidade exclusivamente individual, sem que a organização participe ativamente na sua criação e manutenção. Assim, esta número reune trabalhos de natureza académica, empíricos ou teóricos, que se focam em temas relacionados com as mudanças nas relações de emprego e o seu impacto na qualidade de vida e bem-estar no trabalho, bem como com a sustentabilidade das carreiras. -
Género e Desigualdades: Desafios Contemporâneos
N.º 35 (2025)Durante as últimas três décadas, foi possível cimentar os estudos de género como área premente e incontornável da produção científica e académica. Nesse trilho, temos analisado a ubiquidade e transversalidade do género como construção sociocultural em praticamente todas as coletividades humanas, passadas e presentes. Os processos sociais, interrelacionais e interacionais, coletivos são genderizados, tal como as estruturas micro, meso e macrossociais. O género molda, e é moldado, em todas as arenas da vida social, estruturas e instituições sociais. Numa contemporaneidade marcada por sucessivas crises sociais, incerteza, conflitos sociais e crescentes polarizações, o género não tem escapado às implicações esgrimidas pelos cenários de tensão social que vivemos. Há muito que o género é conceptualizado como uma estrutura multidimensional de desigualdade (Connell, 1987; Lorber, 1994; Rubin, 1975) e temos assistido à (re)criação de novas (des)ordens de género (Connel, 2009): através das migrações laborais, nacionais e globais; nas crises de populações refugiadas; nos efeitos das alterações climáticas; nos direitos humanos, mas igualmente na igualdade económica, nas relações entre gerações, no espaço da família, na intimidade, no bem-estar, no envelhecimento, na violência, etc. Nas possíveis articulações entre todas estas dimensões, surgem as questões das várias formas de violência de género. O envelhecimento da população, por exemplo, as alterações das estruturas familiares, a participação da mulher no mercado de trabalho, agudizará o designado caring gap e fará emergir necessidades não satisfeitas de cuidados de longa duração, uma das razões para a crise global dos cuidados que afeta o Norte e o Sul Globais. A importância social do trabalho realizado ao longo das cadeias de cuidado globais não tem sido acompanhada pela atenção política e académica ao aumento paralelo da desregulação, informalidade, precarização e vulnerabilidade de uma força de trabalho crescente e quase exclusivamente feminina (Comas-d’Argemir et al., 2021). Se falamos em género e cuidados, falamos em desigualdades de género e assimetrias nos tempos de cuidar e nos impactos associados a quem cuida: pelo número de horas de cuidados, na saúde física e mental, no emprego, nos salários, no abandono precoce do mercado de trabalho e num maior risco de pobreza. É, precisamente, na articulação entre as múltiplas formas de desigualdade e a pluralidade de crises sociais que os papéis de género têm sido sujeitos a desafios permanentemente requerentes de análise, sustentando a apresentação deste número.